Psicoterapia

Você acredita que pode acabar com o sofrimento?

A premissa do sofrimento

Em várias leituras me deparo com uma mesma premissa. O sofrimento faz parte vida. Gosto da definição de premissa. É daquelas palavras que entendemos, mas que temos uma certa dificuldade de definir prontamente. Recorri ao dicionário. Premissa é a base de um raciocínio; é o raiz de onde parte a concatenação de ideias que gera a conclusão. Acredito que todos já escutamos a frase: “se a premissa é falsa, a conclusão será falsa”.

Por que entro nessa pequena discussão que aparentemente não tem sentido? Pela importante consideração de que viver também se baseia em premissas e se não nos embasamos em verdades mais coerentes a conclusão será incoerente ou falsa. Voltemos à afirmação inicial do texto: “o sofrimento faz parte da vida”. Se faz, é algo inerente à existência de qualquer pessoa, logo precisamos considerar como uma aspecto da normalidade. Em outras palavras, sofrer é natural e esperado.
Parece lógico isso não? Sofrer é normal. Todos nós sofremos diariamente com intensidades diferentes. Acordar cedo, estar cansado, ter uma discussão, ficar com fome e sem energia, tropeçar na calçada, receber uma notícia ruim, etc. Inúmeros sofrimentos…

Premissa 1: sofrimento faz parte da vida.

O desejo de não sofrer

Não notamos, mas nos baseamos em premissas para dar seguimento a nossas ações e modo de vida. Por que, apesar de termos refletido de maneira simples sobre esse ponto acima, nos amarramos a uma premissa diferente? A sociedade e boa parte da humanidade agem de modo oposto. Consideram que o sofrimento e a dor não devem existir. Idealizam uma vida em que a satisfação, o prazer e o conforto seriam a normalidade. Sempre imaginamos aquele momento lá na frente quando todos os astros vão se alinhar: é a faculdade desejada, o trabalho dos sonhos, a remuneração perfeita, a chegada da aposentadoria. É falsa, a perspectiva de felicidade: um sentimento de bem estar e realização em que não mais nos submetemos a desconfortos. Quem nunca ouviu de um aposentado a queixa após um a dois anos da benquista, de que gostaria de voltar a trabalhar pois o almejado descanso era uma ilusão?

Diariamente, o mundo, em todas esferas, sussurra em nossos ouvidos frases subliminares com o sentido de que devemos lutar, buscar, conquistar o nosso espaço no reino da satisfação e realização (sem sofrimento). Não é a toa que o capitalismo prosperou tanto. Vive no rastro da busca pela satisfação (melhor, alívio da insatisfação) e alívio do sofrimento. Dinheiro para ter um bom carro, uma casa de praia ou de campo, para fazer mais uma viagem e ter o mais novo iPhone a preços astronômicos, no Brasil. É a busca incessante pela eliminação da insatisfação. O dinheiro como pode ser convertido em qualquer coisa cria a ilusão de que pode aliviar qualquer insatisfação ou necessidade.

Se a busca da eliminação do sofrimento fosse possível, já teríamos alcançado com sucesso esse objetivo, e sociedades extremamente capitalistas como a americana seriam mais felizes, o que não confere com a realidade.
Premissa errada: podemos acabar com o sofrimento. Nisso se baseia a nossa sociedade. Nos incute uma busca incessante pelo prazer e nos instrui a evitar a dor.

Não é absurdo toda sociedade ocidental, conhecida pelo elevadíssimo desenvolvimento do conhecimento, se confundir com algo tão claro? Mais dinheiro, status, poder, um carro melhor e uma casa mais espaçosa não trazem mais felicidade e estão em função de uma premissa falsa, de que não sofreremos quando conquistarmos tudo isso. Pergunte a si mesmo se de fato a expectativa se concretizou? Quando você entrou na tão sonhada faculdade de direito, encontrou o pote de ouro no final do arco-íris?

A insatisfação e inquietação são biológicas e inerentes ao ser humano

Uma outra importante premissa é que a insatisfação e inquietação do ser humano são também normais e inerentes a sua própria existência. E tive a felicidade de encontrar uma explicação clara e super interessante no livro do autor Mark Manson, “A sutil arte de ligar o foda-se”. O sofrimento, a insatisfação e inquietação são fatores importantíssimos da evolução biológica. Lembra de Charles Darwin? É disso mesmo que estou falando, de genética, de biologia e de características que fazem a espécie se adaptar melhor ao meio.

O sofrimento vem em conjunto com uma emoção e possibilita movimento, ação, mudança, adaptação à realidade. Só sobrevivemos e nos desenvolvemos como sociedade em virtude do papel do sofrimento em nos mobilizar para adaptação ao meio. Se tenho frio, preciso buscar abrigo; se sinto dor, é importante considerar que algo pode ser lesivo e que precise de uma ação diferente numa próxima abordagem.

A própria inquietação é biológica e adaptativa. O ser humano sempre está pensando, refletindo, considerando hipóteses de como as coisas funcionam para se adaptar melhor à realidade.

Quando algo é normal e inerente à vida biológica não adianta bater de frente contra a evolução. Seria o mesmo que decretar que não vai mais precisar de comida. O resultado todos sabemos.
Sofrer é normal e esperado e a insatisfação também.

Conclusão

E que fazemos então? “Nossa, Caio, você está traçando um cenário muito sem graça, sofrido!” Muito pelo contrário, boa parte dos nossos problemas vem justamente de estarmos o tempo todo tentando fugir do sofrimento. A própria busca da felicidade acaba virando fonte de mais sofrimento. O que quero trazer é que precisamos saber sofrer para que possamos vivenciar a experiência com aprendizado e direcionarmos nossas vidas para o que nos importa. Ou prefere focar em comprar uma SUV?

Se sabemos para onde desejamos ir, estaremos dispostos a vivenciar a dor do caminho a ser trilhado. E sobre isso me aprofundarei em outro texto.

Caio Almeida

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